The Bronx Journal
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Os Outros Filhos do Paraíso:
Porque se há oásis não é para Todos
Diniz Borges
Entre o populismo de um éden que nunca foi
e uma útopia moralista, alicerçada nas raízes de um puritanismo
hipócrita, a Améria de hoje continua a viver de um passado que não
foi e de um presente que esconde as suas realidades sócio-eonómicas.
Enquanto se gasta milhões para apurar os destalhes última companheira
do Presidente Americano (nem que os outros não tivessem dado os seus
saltos-Kennedy não gostava de saias?) outros tantos milhões de
Norte-Americanos vivem momentos de desespero económico. Mas ninguém
quer falar disso.
Os orgãos da comunicação social, há já
muito vendidos aos interesses das multinacionais, interessessam-se mais
pelas percentagens de audiência. É que a pobreza, em todas as suas
vertentes, não vende e tem pouco poder de compra. As grandes questões
sociais dos Estados Unidos estão "condenadas" aos pequenos
meios de comunicação, a chamada "imprensa alternativa". São
pequenas estações de rádio e publicações mensais, rotuladas pelas
elites como "radicais da esquerda", que têm a ousadia de
apelar pela justiça social.
Para além destes pequenos orgãos, é no
meio académico (embora este também seja de fácil manipulação) que
ainda se encontram alguns trabalhos relatadores das tragédias de um
capitalismo exagerado onde os mais marginalizados continuam a ser as
maiores vítimas. Entre esses trabalhos, destaca-se um novo livro
recentemente publicado na Random House e entitulado: Cold New World:
Growing Up in a Harder Country.
Da autoria de William Finnegan, esta
narrativa de 426 páginas dá voz ás disparidades socio-economicas dos
Estados Unidos. Um trabalho exaustivo que engloba uma série de viagens
pelas vizinhanças menos desejaveis da urbanidade e da ruralidade
Estadunidense. São nestes espaços onde se verifica que apesar do
oásis economico, defendido pela classe política, existem muitos
Americanos, especialmente crianças e adolescentes, que não conhecem os
frutos da nova abundância. É que este livro faz o que os romances já
o fizeram: revelar a condição moral de um lugar e de um tempo através
de estórias que são grandiosas e íntimas. Mais do que nos contar as
situações desastrosas de jovens desalojados e marginalizados pela
sociedade, o autor penetra a idiosincrasia destes "novos
abandonados" relatando-a numa prosa em que o próprio narrador se
mistura frenquentemente, resultando numa polífonia de vozes que gritam
por um outro estado. São ecos de uma sociedade onde aumentam
constantemente os números de novos milionários e o de crianças que
vivem abaixo do indíce de pobreza.
Desde as vizinhanças degradadas de Nova
Iorque á ruralidade do Texas, o autor dá-nos um relato das muitas
vidas, especialmente jovens, completamente desconexados com as apologias
gratuitas das elites nas terras do Tio Sam. As suas narrativas são
interligadas por uma ideia única: a crescente desporpocionalidade
socio-economica nos Estados Unidos, aliada a um individualismo também
em crescendo, resulta num estado de desmotivação que por sua vez
permite uma nova vulnerabilidade. Daí um aumento substantitivo na
toxicódependência, no ultra-consumismo, nas ideiologias primitivas e
viloentas, no desespero, no racismo, na xenofobia. E segundo Finnegam ,
embora haja alguma responsabilidade nos próprios jovens, na vasta
maioria dos casos o autor partilha da opinião de Critopher Lasch,
falecido estudioso da sociedade americana, que responsabiliza as medidas
exercidas pelas gerações no poder pelo estado de confusão, pela
alienação, sentida e vivida no seio das novas gerações. Tal como
Lasch escreveu: "o estado caótico dos mais novos é um mero
índice do nossofracasso". Ou então como escreveu o poeta
açoriano Álamo Oliveira no seu livro Olá Pobreza: "…cada
geração é fruto da geração anterior. Esta verdade de inspiração
lapalissiana traz, por sua vez, uma recomendação linear: não se atire
a pedra para que ela não caia sábia e sentenciosamente em cima. É que
a solidariedade é uma herança, uma exemplaridade…"
Neste périplo pelos mais diversos pontos
da sociedade americano, William Finnegan mostra-nos, inequívocamente,
que a desilusão da juventude americana, manifestada pela inércia
política e social, está patente em todas as latitudes. Nào é um
simples fenómeno dos meios cosmopolitas. O livro Cold New World está
saturado de uma outra América, aquela que a MTV e a CNN não querem
mostrar ao mundo. Desde Nova Iorque a Seattle, do vale de Antelope na
California a Mississippi, de New Haven no Connecticut até á Carolina
do Norte, as estórias contadas por William Finnegan não são meras
invenções Hollywoodescas (aliás Hollywood contaría outras fantasias)
são sim pedaços de uma América que persiste em desconexar-se dos seus
jovens. De um país inteiramente ligado ás perplexidades das bolsas de
valores e a uma moralidade dogmática e estagnada. A antiquísisma
pobreza e injustiça de Santo Agostinho quase que são indulgentes em
comparação com as paisagens alarmantes contadas por Finnegam.
Cold New World-é mesmo um Novo Mundo frio
e hóstil. Este não é um livro confortante e acusa, categoricamente, a
geração dos baby boomers, a geração que tem apergoado os conceitos
de igualdade e liberdade, de abandonar as gentes jovens, de alimentar a
marginalização, o desprezo, a inércia, o abandono. Mas na América de
hoje, quem fala destes dilemas humanos é rotulado de "extremista"
de "esquedista radical". Porém já se sabe que defender a
dignidade humana, em todas as suas vertentes, é de facto um conceito
radical.
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