O
cineasta que o Brasil desconhece
Ele
mordia e assoprava ao mesmo tempo. Era capaz das mais apaixonadas
adesões e das mais enfáticas críticas a amigos e inimigos.
Fazia filmes ao mesmo tempo reflexivos, políticos e formalmente
inovadores.
Dava
declaraçoes sinceras sobre tudo, sem a preocupação de agradar a
ninguém, a não ser à sua integridade intelectual. Era un sujeto
anacrônico. Mais anacrônico, muito provavelmente, ele seria hoje,
no seu aniversário de 60 anos, que seria comemorado num Brasil
ainda injusto, dependente econômica e culturalmente, desajustado
politicamente, coisas que ele abominava e combatia no cinema e
fora dele. Apesar de mundialmente reconhecido para a maior parte
dos brasileiros e sua memória corre o risco de se extinguir
diante do descaso das autoridades e da população. Porém, para
aqueles que têm apreço pelo cinema nacional, esse nome
dificilmente será esquecido.
“Todo
pensamento de Glauber partia da divisão que há entre metrópole
e colônia”, afirma seu amigo Arnaldo Jabor, que completa:
“Ele tinha um misto de fascinação e ódio pela figura
metropolitana e abiminava nossa situação de colônia”.
Pouco
antes de morrer, em 1981, Glauber parecia ter conciência de seu
anacronismo. Criticado dentro e fora do Brasil por seu filme A
idade da Terra e por
sua crença de que os militares promoveriam a redemocratização
(“Golbery é um gênio, dos maiores da raça”, chegou a dizer),
quis morrer no exílio, em Sintra como revela Zuenir Ventura num
texto inédito sobre a morte de Glauber.
Vitória
da Conquista
Terra
natal de Glauber
Glauber
Pedro de Andrade Rocha nasceu em berço espléndido. Conservada
como era há 60 anos, a casa em que o cineasta veio à luz, na Rua
2 de Julho, uma das principais do centro de Vitória da Conquista
–Bahía, tem três salas, seis quartos, janelas amplas por toda
a sua extensão que, aliadas ao pé direito de três metros, mantêm
o ambiente eternamente fresco, mesmo num abafado meio-día de março.
Foi nos seus quintais, lembra o atual morador da casa, o tio
Hermes de Andrade, que o já inquieto garoto Glauber corría,
pulava o muro e vinha mostrar suas descobertas ao avô. A discreta
placa na entrada é das poucas referências a Glauber em sua
cidade natal.
Na
realidade, somente lá pelo meio dos anos 80, Vitória da
Conquista (ou melhor, um grupo de abnegados da cidade) se deu
conta de que foi berço de um dos maiores artistas brasileiros.
Hoje, exclusivamente por obra de professores da Universidade
Estadual do Sudoeste da Bahia, há o Teatro Glauber Rocha no
campus, a sala Glauber Rocha no Museu Regional da cidade (com os vídeos
de seus filmes, seus livros, fotos e outros documentos), muito boa
vontade, e só.
“Há
pouquíssimo tempo, se você perguntasse para qualquer pessoa na
cidade quem era Glauber Rocha ninguém saberia”, diz Jorge Mesqyisedeque, um desses
abnegados, diretor da produtora de vídeo da Uni-versidade.
“Hoje, depois de dois seminários sobre a obra de Glauber em 96
e 97, pelo menos os estudantes já conhecem Glauber”.
Uma das
coisas que perjudica a memória de Glauber na sua cidade natal é
o caos político brasileiro. O prefeito anterior, Murilo Mármore,
projetou um megalômano Centro Cultural Glauber Rocha, mas foi
construída, e abandonada, apenas uma entranha pirâmide nos
arredores de Vitória da Conquista, um :monumento aos unubus”,
como define, irritada, a mãe do cineasta, d. Lúcia Rocha, que
acha que foi usada politicamente para o município conseguir
recursos através do nome de Glauber.
Independentemente
de qualquer celeuma, o reitor da Universidade, Aldenor Alves
Pereira Filho, quer dar prosseguimento ao reforço da cultura
cinematográfica da cidade.
“Fizemos
agora o seminário Cinema Brasil – Uma história comentada com
Walter Salles; temos a produtora de vídeo; o projeto Janela
Indisvreta, que funciona como um cineclube; e mantemos a memória
de Glauber como um conquistense”, diz. Para ele, a obra de
Glauber foi muito inspirada nas paisagens e nos personagens de Vitória
da Conquista.
Se o
anacronismo o faz quaze um desconhecido no Brasil –o Tempo
Glauber, que abriga sua obra, funciona apenas pela determinação
de sua mãe. Voz embargada, d. Lúcia Rocha admite que o aniversário
do filho vai passar em branco na casa que ela, com muito esforço,
criou para acoher a sua obra, superando diversas dificulta des.
“Não tenho dinheiro. A minha crise já vem de muito tempo, não
é de agora”.
O Tempo
Glauber funciona num casarão de 13 cômodos, construído no século
passado na rua Sorocaba, em Botafogo, desde novembro de 1990. Só
não fechou até hoje graças à dedicação de d. Lúcia, de 80
anos.
“Recebo
apenas uma ajuda da Riofilme (distribuidora de cinema de município),
que me ajuda a pagar os empregados. Estou devendo água e luz, que
já chegaram a ser cortadas, e o computadora quebrou. Estou
devendo até para a loja onde comprei uma televisão para a sala
de vídeo”, desabafa.
O Brasil
trata a obra do seu
maior cineasta, sinônimo de cinema brasileiro aqui fora, com
inexplicável descaso. Por falta de apoio, o Tempo Glauber sequer
tem ar condicionado – imprescindível não apenas para o
conforto dos seus visitantes, mas para a conservação de seu
acervo.
“Nem
ventilador eu tenho aqui. Eu me pregunto o que há ao redor disso.
Talvez seja por causa da irreverência e da coragem do meu filho,
que costumava dizer o que pensava. Fiz tantos projetos que daria
um livro do tamanho da Biblia. Mas nem governos, nem empresários
se interesam em me ajudar”, diz d. Lúcia.
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